Você já se pegou falando na rua sozinho?

Faz muitas coisas ao mesmo tempo?

Assume outra personalidade quando vai trabalhar?

Quem sabe você já está se tornando um esquizocênico!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Fé ordinária: Relato feito da atriz e dramaturga Bia Castilho sobre o filme


Fé ordinária: Relato feito da atriz e dramaturga Bia Castilho sobre o filme

Em casa, o esquenta rolando solto, quando eu cheguei lá pelas 7 da noite já estavam todos em ponto de ebulição. Lembro quando dois dias atrás e eu falava para as pessoas vamos fazer um filme na crackolândia pelados? E todos riam de mim e falavam: Só você mesmo...
Não entendia como eles não viam o momento da surrealidade com a mesma lente que eu. O Rubens estava vestido com a sua camisa de seda azul e estava todo feliz de fazer, voltar a fazer cinema; falei a ele da cena do nú e ele disse que ia sair de cuéquinha. Fomos até a 13 de maio às 8 da noite, como o combinado. O Rubens ia tropeçando em algumas pedras imaginárias e quando tropeçava no ar, ele disfarçava fazendo uma dancinha de rock'n'roll. Quando chegamos nos camarins do lugar eu nem me produzi, fiquei fazendo as maquiagens das personagens que iriam ser filmadas na cena do carnaval. Chegamos às 8 da noite, disseram que filmariam a cena e estariamos de volta às 11 da noite. A Marina nos pegou saindo de casa, quase achei que não viria. A princípio ela estava preocupada com a cena de nú, mas depois com o tempo, todos foram ficando mais relaxados. E fuma daqui, maqueia de lá...
Foram 150 latinhas de cerveja, entre elenco e produção. Onze horas da noite, em 3 carros e um taxi, todos saímos para começar as filmagem na crackolândia. A esta altura o Rubens dizia que tirava toda a roupa, menos os óculos porque senão não veria nada, e assim também era sacanagem...
Também não tiraria as meias porque estava um frio do cão. Os adolescentes, que gostaram da ideia do nú, não se empolgaram tanto em saber que fariam apenas as cenas do carnaval, e quase não voltaram pra casa, mas no final estavam todos lá. Produzidos e preparados, descemos na Rua dos Gusmões em frente a uma espécie de cantina. O crack rolando solto ao redor. Fomos apresentados a alguns moradores, e representantes da comunidade. A partir desse momento, começa um flashback de vários momentos. Havia ao lado um grande estacionamento, nele haviam várias casas de papelão. Uma grande favela escondida no estacionamento, na frente do terreno, numa espécie de quintal, estacionavam os carrinhos de catar de papelão. O nosso camarim era nalguma dessas casinhas de papelão, foi lá que nos preparamos (Maquiagem e ficar nua abaixo do figurino). Enrrolar-se no roupão. Também usaríamos o banheiro nestas instalações para toda a equipe. Conhecendo o camarim largamos nossas coisas lá dentro, e continuamos a bebicar umas brejas vendo quais seriam as próximas cenas a serem filmadas. Um ator começava a arrastar a cruz de uma esquina a outra, estava ensaiando para a hora que faria com os outros, esta cena nus. O pessoal da comunidade mostrava que havia alguma insatisfação entre os usuários, porque eles não queriam aparecer no filme fumando crack, e não assim, teriam que ficar prestando atenção no movimento das câmeras. Os traficantes, que ofereciam a droga como em uma feira livre, com gritos e barganhando, não estavam gostando de saber que ia haver uma filmagem, isso estava estragando o comércio da noite. O povo das câmeras já estava filmando tudo, escondido mesmo, ali havia uma espécie de quiosque que vendia as brejas no lugar. Ouço um grito da galera dentro da comunidade, alguém da produção viu um rato andando nas paredes do banheiro, as crianças do elenco ficaram com medo, e pediam para ir com algum adulto na troca de figurinos ou do xixi. Eu me lembro, vagamente, de ter comentado o fato com as crianças algumas vezes, e de ter ido uma vez sozinha, e outra acompanhada ao banheiro, mas não me lembro do rato. As crianças da comunidade corriam e brincavam com a gente. Vi o povo chegando carregando a cruz. Quase não havia mais ninguém da região, os fumadores de crack começaram a ir embora. Primeiro bem devagar, depois aceleradamente. Quando não havia mais ninguém, a produção jogou uma chuva de petálas de rosa e papel picado, que fazia parte de uma cena no quintal, neste momento, eu já fiquei logo de peitos de fora correndo atrás dos papéis picados. Chamei a Marina para que fizesse uma cena como se estivesse acariciando meus seios... foi num momento bonito e diferente.

Subi num taxi com dois produtores e chegamos à Rua Helvétia, próximo ao shopping da Luz e da sala SP. Lá sim, estava lotado de crackqueiros, perece que haviam migrado de várias outras ruas, e essa rua era o final da grande feira da noite. Eram 4:00 horas da manhã e o comércio gritava alto, o uso se fazia em qualquer grupo que estava nas ruas. O diretor tinha vindo antes pra dar uma olhada nas locações e planejar as cenas. Chegaram primeiro todas as meninas que iriam tirar a roupa, um casal de usuários, moradores de rua e crentes, se sentiram ofendidos porque haveriam cenas de nu. Ofendidos é pouco, o cara disse que (ele) estava com a mulher dele, e que ela não adimitia que passansem pessoas nuas pela rua. Disse aos gritos, que ele ia chamar a polícia. Enquanto estava acontecendo esse bafafá, a produção estava arrumando as meninas do outro lado da rua, preparando-as para a procissão. A polícia acaba chegando, e numa atitude surrealista, dizia que iria prender o elenco por atentado ao pudor se alguém ousasse tirar a roupa, isso foi dito em alto e bom som, enquanto os grupos, aparentemente, indiferentes ao fuzuê, continuavam a usufruir e comercializar o crack. A produção que estava com o elenco, preparou todos para o nu no meio da rua. A cruz na posição, tudo certo. O diretor pareceu recuar, foi ameaçado de morte com uma faca. Pensou em interromper as gravações, mas os atores estavam empolgados, e começaram assim mesmo. Logo, atores, câmeras e contra-regras se espalharam, fazendo uma passarela, olhos múltiplos se desfaziam em todas as direções, Betinho pelado com meu cachecol amarrado no pescoço, todos se abraçando triunfantes, o fim de uma grande cena. Uns, como eu, queriam mais; não vamos denovo? A multidão de crackqueiros vaiava, e no final o elenco acabou sendo protegido pela polícia, que estava ali pra lhe prender. O carro importado do diretor de arte, estava com os quatro vidros quebrados, a produção achou melhor terminar a cena. Pouco a pouco, em vários carros e taxis, nos juntamos ao resto do elenco e voltamos ao estúdio. Eram 8:00 horas da manhã, quando na 13 de Maio, num barzinho qualquer, brindavamos, todos, ao sucesso das filmagens. Hoje relembrando desse dia, me sinto emocionadae gratificada por ter trabalhado no filme, já que este acabou sendo o último trabalho do ator, rockeiro e amigo, Rubens, o Ruby Castro, com a Companhia Esquizocência.

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